13 de fevereiro de 2009

A Herarquia, o Poder e o Trabalho


Os códigos de conduta e poder em nossa religião não estão escritos em nenhum tratado universal ou mesmo livro sagrado como acontece em outras religiões, nem mesmo está escrito de fato. Nossa religião tem base na oralidade e na tradição quando os conhecimentos são passados e aplicados. A Hierarquia e o Poder existem pelo simples fato de ser assim e ponto final. Foi a bem pouco tempo que foram lançados os primeiros escritos e revelados os meandros da religião no intuito de formalizá-la, mas continua ainda variante de Casa para Casa, de Nação para Nação. A unica coisa que permanece inalterado é o caráter iniciático, apesar daqueles que ainda teimam em triblar esta lei basica.

Em princípio, é o tempo de iniciação religiosa que conta, vale o ditado - antiguidade é posto - seguido do Oye (cargo) que a pessoa ocupe; o mais velho é sempre o mais velho, não importa que mais moço tenha seu cargo religiosos de maior importância; exceção única, feita ao Babalorixá ou Yalorixá, que por poder absoluto, está acima de todo e qualquer outro. É tempo de santo que confere a sabedoria.

É uma religião iniciática de carácter progressivo. A sua organização estabelece-se a partir de um conceito peculiar de hierarquia onde o que está “acima” não tem, necessariamente, poder sobre o que está “abaixo”, mas vai adquirindo, com o tempo e as “obrigações”, o direito de participar e “ver” aspectos mais profundos do quotidiano religioso obtendo, com isso, mais conhecimento.
A ascensão hierarquica em qualquer Casa dá-se da união do tempo e do conhecimento; tempo sem conhecimento ou conhecimento sem tempo constituem-se como caminhos desviantes que tornam o indivíduo inadequado à convivência colectiva. Em síntese, a hierarquia no candomblé estabelece-se no sentido dos que “sabem” (no tempo) para os que “não sabem” (por terem pouco tempo).

Aprender numa Casa é diferente de uma escola convencional, não há cartilha, nem quadro negro, muito menos professores. Mas há o dia-a- dia, a cozinha, os trabalhos a serem realizados, é a melhor forma para dar e receber informação. Segundo os mais velhos: “É na cozinha que se aprende de fato e na sala que se confirma o que foi aprendido”.

E para que este aprendizado seja completo é necessário não só o tempo e as obrigações, mas também a vontade e a permanência do individuo. Como já foi dito, não existem cartilhas e eu mesma no papel de Zeladora não tenho tempo disponível nem paciência para sentar e ditar para que todos anotem os ensinamentos necessários. Sou a favor do aprendizado constante no cotidiano da casa e na participação dos integrantes, de forma a verem e aprenderem e apreenderem os conhecimentos.

Mas voltando aos fatos, o poder na Casa esta implícito ao tempo e ao conhecimento. Sou a favor de passar o conhecimento de forma gradual e a medida do necessário para realizar um bom trabalho. Acredito na distribuição de tarefas, afinal uma só cabeça para todos os fins, acaba por falhar em vários momentos, por isso é por costume em minha casa a divisão do trabalho e com ela sua responsabilidade.

Com o Poder vem inclusa a responsabilidade, afinal aquele que realiza tem propriedade sobre o assunto, porém não determina o poder sobre outros e nem deter o conhecimento unicamente em si. Quando determinada a tarefa ou mesmo a confiança sobre o andamento da Casa, atribuo também “soberania” para o trabalho.

Mas infelizmente, muitos ainda não estão preparados para tanto. Deve-se ter em mente que ao se iniciar na religião, com ela serão impostas também as responsabilidades e que não existe forma de queimar etapas ou mesmo fugir delas. Há aqueles que por motivos diversos querem se impor sobre os outros, fazendo da tarefa que lhe foi dada motivo para imposição, como também aqueles que se escondem e se omitem. Os dois casos são danosos ao bom andamento.

Prezados, quando resolvemos apresentar-nos ao trabalho espiritual, aceitamos todos os encargos que esta escolha promove. A principio com o Orixá e por conseqüência com a casa e com o trabalho. Não podemos acreditar que se chega a Zelador sem trabalho e que este cargo nos impõe sobre a vida e a vontade de outros. Temos sim que trabalhar bastante de forma valorizar o trabalho espiritual e conseqüentemente nossos nomes.

Apesar de tentativas frustradas de dividir o trabalho e dar responsabilidades, sou muito feliz com outros (não podia deixar de puxar a brasa!) e a experiência me fez ver que as rédeas da Casa estão sobretudo em minhas mãos mas que dividir determinadas responsabilidades e um pouco de democracia (incoerente, mas válida!) transformam minha casa em um lugar familiar e acolhedor, em que os que chegam são recebidos com calor humano e carinho e sentem no ar o quão aconchegante pode ser um Terreiro.

Tento em minha casa somar a Hierarquia da religião com as regras básicas do bom-convívio, a educação e o carinho. Nem sempre dá muito certo porque nem sempre é bem vista ou uma se sobrepõe a outra, mas continuarei tentando.
Axé a todos!

7 de fevereiro de 2009

A Quarsema


São comuns as dúvidas sobre a Quaresma. Então fica aqui um pequeno resumo e onde nos enquadramos nela.

A Quaresma, como o próprio nome revela, é um período de 40 dias que começa na Quarta-feira de Cinzas, após as festas ditas profanas (Carnaval) e termina no Domingo de Ramos. A duração da Quaresma está baseada no símbolo do número quarenta na Bíblia. Nesta, é falada dos quarenta dias do dilúvio, dos quarenta anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto, dos quarenta dias de Moisés e de Elias na montanha, dos quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de começar sua vida pública. Tal período litúrgico, afirmam alguns, se consolidou no final do século III, tendo sido citado no 1o Concílio (Assembléia) Ecumênico de Nicéia, no ano 325.

Este período tem como finalidade, segundo os católicos, preparar o indivíduo, mediante processos de conversão e penitência, para a expurgação de influências carnais e mundanas e a absorção de valores sagrados submetendo-se a um recolhimento espiritual simbolizado por diversas proibições e sacrifícios para lembrar as tentações vividas por Jesus Cristo que culminaram na sua crucificação na Sexta-feira Santa. É também neste período que os altares e capelas são cobertos com panos roxos s silêncio é guardado em sinal de respeito a dor de Maria por seu filho.

Não obstante respeitarmos esta prática religiosa, própria dos católicos, sabemos que tal habitualidade pertence ao catolicismo porém revendo a História, nossa colonização e sobretudo o capitulo da Escravidão, vemos que o calendário litúrgico cristão foi imposto ao negro. E neste período toda atividade alegre cessava e os Terreiros que funcionavam escondidos, temendo represálias por serem descobertos, cessavam suas atividades.Portanto é por tradição fechar os terreiros durante a quaresma.

Para a nós é uma época em que também cobrimos os nossos orixás, isto é, eles não incorporam . Somente os Pretos-velhos e Exus trabalham. Em alguns terreiros admitem-se os trabalhos dos boiadeiros. Como os orixás não incorporam o momento é de vigília constante, introspecção e uma ótima oportunidade para o médium refletir sobre tudo em sua vida material e espiritual.

Materialmente falando é um momento que tratamos da parte física da Casa como pinturas, pequenas obras e etc, além do descanso àqueles que ao terreiro se dedicam, bem como uma preparação para o ano de trabalho que se segue. O que para muitos pode ser um equívoco ou mesmo demonstração de desconhecimento, para nós é um período em que o trabalho não cessa, apenas se restringe.

Os trabalhos voltam ao normal na Sexta-feira da Paixão que é vista por muitos como um ‘dia de queimação’ por conta da crença de que as trevas sobrepujam a luz, tornando-nos vulneráveis. Em nossa casa os médiuns ficam recolhidos em vigília, passam pelo ritual da cura para o fortalecimento do ori e fechamento do corpo, respectivamente. Faz-se também uma mesa branca para Oxalá com canjica, acaçá etc. Todo comem juntos e partilham também o trabalho de limpeza do terreiro em memória da Última Ceia. O sincretismo reforçou o dia de culto a Oxalá na Sexta-feira.

No sábado de Aleluia festeja-se “a volta dos caboclos e dos Orixás”. Utilizamos a partir do Domingo de Ramos (início da Semana Santa) as amarras, o contra-egum, trançados de palha da costa atados aos braços, tornozelos e cintura (umbigueiras) com a função de afastar os espíritos baixos e usamos o branco em homenagem a semana dedicada a Oxalá. È neste dia que oficialmente começamos os trabalhos espirituais com uma gira de abertura e o trabalho com os Exus (neste dia de branco em respeito a Oxalá) pra limpeza espiritual da casa e de todos que lá são acolhidos. Vulgarmente dizemos que também “Malhamos o Judas” com trabalhos para afastar e desfazer possíveis malefícios feitos contra nós.O Domingo de Páscoa é voltado às confraternizações com nossas famílias e amigos.

Portanto apesar destas datas comemorativas estarem especificamente intrincas a religião católica, nós também nos vemos ligados a elas por tradição ou mesmo motivos comerciais (Páscoa – Ovos – Coelhinho) ou quaisquer outros, porém nosso trabalho está ligado aos valores no qual o nosso compromisso com a caridade, com o bem e principalmente com próximo não cessam em época alguma. Estamos sempre a postos e vigilantes e sobretudo preparados a ajudar a quem quer que seja.

Que Oxalá os abençoe.